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quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Prefácio do volume II do livro CRÔNICAS PARA SÃO BORJA do Dr. Antoninho


        A palavra jornal vem do latim diurnale, que se refere ao dia, isto é, a publicação periódica de acontecimentos importantes e que mereçam destaque. Hoje, é comum estarmos ligados a tudo e a todos através deste mundo virtual que descobrimos há pouco tempo. Mas, tem um porém, muito da reflexão e do conhecimento da história está se perdendo, nesse ritmo acelerado que vivemos. Para reverter esse processo temos uma ferramenta importante, criada em 1799, um espaço dentro do diurnale chamado “crônica”.
Teoricamente (academicamente) a crônica é como “documento” para a análise do cotidiano, e como gênero jornalístico, deve ser simples e despretensiosa. Sendo assim, coletar crônicas de um periódico e reuni-las em um livro parece contrassenso. No entanto, há exceções. Existem crônicas que sobrevivem ao dia-a-dia, nos seus assuntos abordados. É o caso do texto do Dr. Antoninho (como é gentilmente chamado pelos amigos). Com um estilo simples, descontraído, quase conversando com o leitor, o autor registra a história de sua comunidade de forma carinhosa e até poética.
Há mais de uma década, suas crônicas têm encantado os são-borjenses. Lá em 1999, ele já havia publicado o primeiro volume do livro “Crônicas para São Borja”. Agora, apresentamos uma coletânea de seus textos publicados no Jornal Folha de São Borja entre 2000 e 2005. O cotidiano de São Borja e dos são-borjenses é o foco central de suas crônicas, mas não passa despercebido os assuntos importantes que afligem a humanidade.
É com imensa alegria que publico esta obra. Dr. Antoninho é o tipo de cronista que pode ser considerado como o poeta dos acontecimentos do dia-a-dia. Ele tem um lugar especial, e não só, na literatura são-borjense. Ele nos conduz pela mão e nos leva a um passeio através da nossa história e do nosso dia-a-dia com reflexão e poesia.

Cezar Augusto Rodrigues
Jornalista
Editor

O turismo cultural em São Borja


São Borja foi fundada em 1682 - ou 1687, ou ainda, 1690, há linhas de pesquisas nesse sentido -, mas independentemente da data certa, São Borja é uma cidade com mais de 300 anos de história. Ela faz parte do que ficou conhecida como Sete Povos das Missões. Os sete povoados foram criados e supervisionados pela Companhia de Jesus, que eram padres que tinham a missão de catequizar os índios e ocupar os espaços, pois se tratava de uma região de fronteira, muito valorizada na época e interessava tanto a Espanha quanto a Portugal. Por isso, São Borja é uma das cinco cidades do Rio Grande do Sul que recebeu o título, em 1994, de “Cidade Histórica”.

O turismo é a atividade do setor terciário que mais cresce no Brasil. No mundo, em 2004, movimentou mais de quatro trilhões de dólares, com mais de 170 milhões de postos de trabalho. Os turistas buscam especialmente manifestações culturais que possam agregar conhecimento combinado com diversão.

O trunfo de São Borja é que ela é riquíssima em manifestação cultural. Por aqui, começou uma parte do Rio Grande do Sul, sendo o povoado mais antigo em atividade no Estado; aqui aconteceu uma guerra entre nações (Brasil x Paraguai); daqui saíram muitos colonizadores que fundaram cidades no Uruguai; também foi a partir de São Borja que surgiu o movimento nacional com o objetivo de transformar o país em República; a cidade foi a mais importante entre os povos missioneiros no Brasil e, dois de seus filhos tornaram-se presidentes do Brasil - Getúlio Vargas e João Goulart (há ainda uma linha de pesquisa que sugere um são-borjense tornou-se presidente da Argentina, mas lá essa história não é muito bem aceita).

São Borja possui um patrimônio histórico e cultural que poucas cidades no estado possuem (afinal, quais as cidades do RS que tem mais de três séculos de história?). Os seus bens culturais, especialmente os referentes aos missioneiros (história, arquivo, edificações, sítios arqueológicos, ruínas) estão, infelizmente, sendo relegados ao esquecimento.

Ainda pecamos em não valorizar essa história. Houve, nos últimos anos, uma tendência de priorizar a identidade de São Borja como “Cidade dos Presidentes”, e esqueceu-se do potencial histórico missioneiro.

Os dois aspectos (missioneiro e presidencialista) são importantes e devem figurar juntos na identidade da cidade, pois há uma diferença nessas linhas se considerarmos o viés turístico: a questão presidencial atrai turistas brasileiros, a missioneira atrai os turistas brasileiros e, também, os argentinos, pois eles têm seus povos missioneiros e identificam-se com as missões.

Outra vantagem que a cidade possui é a ponte internacional. Trata-se de um potencial turístico que está perdendo muito por falta de políticas públicas para o setor. Explico: pela ponte internacional, todo ano, passa em torno de 100 mil turistas argentinos que por falta de atratividade, apenas PASSAM por aqui. Perdem os hotéis, os restaurantes e o comércio: sim, perdemos todos! E, mais do que nunca, a cidade está precisando desses recursos perdidos, afinal, estamos entre as quatro cidades mais pobres do estado.

E ainda tem mais. Santo Ângelo, que apostou muito na questão missioneira, recebe cerca de 70 mil turistas todo ano, que depois de visitarem a cidade, vão até às ruínas de São Miguel das Missões, aqui pertinho de nós. Por que não atraí-los também para esticarem a viajem até São Borja? E olha que São Borja dá de goleada, se for considerar a história missioneira.

A Comunicação e o Desenvolvimento de Regiões de Fronteira


Tem-se a comunicação como uma ferramenta que colabora para a conscientização e, consequentemente, a transformação da sociedade através da formação de uma opinião pública qualificada. Ela ajuda na organização popular na comunidade através da mobilização social e exerce um papel fundamental na intermediação entre a sociedade e as autoridades civis.
A comunicação, não só ao difundir as igualdades regionais, mas também suas desigualdades, contribui por suscitar o interesse dos gestores públicos pela busca de métodos apropriados para supera os entraves do desenvolvimento regional. A comunicação social é uma grande ferramenta que se bem usada pode ajudar na aproximação da sociedade com os atores sociais para o desenvolvimento social regional, e no caso da região Fronteira Oeste, na integração com os países vizinhos, como a Argentina e o Uruguai.
No entanto, mesmo com o avanço acelerado da tecnologia e o acesso a ela ficamos sabendo mais sobre a União Europeia e os Estados Unidos do que dos nossos parceiros comerciais: os países vizinhos. Isto porque, não temos um veículo regional, e sim veículos de mídia de grande porte que são comerciais e estão localizados nos grandes centros e, portanto, focados nesses países desenvolvidos por interesses de patrocinadores, que normalmente são empresas internacionais.
Para que a sociedade e os poderes políticos possam se mobilizar para valorizar as potencialidades da região e a efetiva integração é compreensível que para isso haja a necessidade de uma boa comunicação, espaço suficientemente grande nos veículos de comunicação com pautas direcionadas às essas regiões ou uma mídia que trabalhe especificamente temas que abordem a região.
Com a globalização se sabe que toda e qualquer iniciativa de gestão política deve priorizar a integração, por aprofundar os laços com os parceiros regionais (cidades vizinhas) e por ampliar o leque de abrangência das decisões políticas. Sempre levando em consideração que não basta somente a aproximação econômica, mas cultural e para isso a comunicação é primordial. Cientes das mudanças em que o mundo contemporâneo e o Brasil, na última década, estão passando, os gestores devem estar apercebidos que sem uma união regional há o perigo de a região ficar estagnada economicamente e culturalmente.
Assim, fica claro que para o desenvolvimento é necessário juntar forças com as cidades vizinhas, criar blocos econômicos, locais e regionais e para que essa consolidação seja efetivamente concreta é necessária uma identidade “única” (principal), que se constrói e se mantém através da comunicação. Somente fortalecendo a região através de uma união cultural, econômica e política é que se construirá um futuro sem desigualdades e carências sociais.

Associação econômica dos pobres como via de combate às desigualdades


Li recentemente o texto do doutor em sociologia Luiz Inácio Germany Gaiger que serve como ponto de partida para a discussão sobre possíveis vias de resolução das desigualdades, sendo um dos caminhos a ativação econômica dos setores desfavoráveis. O autor indica que o empreendedorismo econômico associativo é uma alternativa real para a cooperação produtiva e especialmente com a possibilidade de autogestão.
Diante da situação do aumento de organizações de moldes associativos, o texto atribui a elas um papel de ativação econômica dos setores empobrecidos. Há dois caminhos: o dos pequenos negócios, que envolve grande desenvolvimento das competências individuais dos empreendedores; e a economia solidária, empreendimentos associativos.
No primeiro modelo, empresa individual, tem se mostrado vulnerável e instável devido às carências cognitivas e competências do empreendedor para concorrer num mercado cada vez mais voraz e de grandes concorrentes. Como indica pesquisa do SEBRAE, em dois anos 52% desses tipos de empreendimentos acabam fechando.
Embora o Brasil tornou-se a sétima economia do mundo, o crescimento não é capaz de produzir mudanças profundas na distribuição da renda e na pobreza. Outra constatação que o texto de Gaiger chega é que somente ações governamentais não podem erradicar a pobreza. Mas, que o estado pode facilitar o acesso dos pobres na recuperação da sua dignidade e na própria construção de uma condição de vida melhor. “Elas necessitam de situações de reconstrução pessoal, o que requer experiências positivas de participação e reconhecimento, não apenas de recuperação de sua renda de consumo”. A solução mais próxima, indicada pelo texto, é a associações desses indivíduos em cooperativas ou outras formas coletivas de produção. Já que individualmente torna-se mais difícil.
Então, num empreendimento associativo a responsabilidade e as decisões são compartilhadas, além da força de trabalho. Dessa forma a atenção sai do empreendedor individual, focado na sua personalidade, e passa ao conjunto do trabalho, ao coletivo, que envolve um grau de homogeneidade e coesão. Essa realidade, ainda está em curso. São práticas econômicas que tomaram impulso nas últimas décadas e, portanto, ainda com muito a crescer.
Dessa forma, um empreendimento econômico solidário deveria preencher alguns requisitos como ser uma organização suprafamiliar permanente; estar sob o controle dos sócios-trabalhadores; permitir o trabalho de não-associados, mesmo que ocasionalmente; a gestão deve ser coletiva além de ter natureza econômica. Mas, para que esses empreendimentos econômicos associativos terem sucesso é necessário um processo de qualificação, mobilização e até a politização. O que normalmente não tem ocorrido.

A Identidade Cultural e o Desenvolvimento Regional


O gaúcho da fronteira-oeste do Estado possui uma relação muito próxima com a cultura dos países vizinhos Argentina e Uruguai. Isso se dá por causa da própria formação dos territórios que sempre foram marcados por muitos embates por terras com os europeus (portugueses e espanhóis), que resultaram em muito derramamento de sangue. Esse processo criou distintas concepções de fronteira (culturais, simbólicas, geográficas e históricas).
A identidade cultural do gaúcho é uma das mais complexas de se entender. Por ela possuir características marcantes, quem sabe, seja a mais diferenciada do território brasileiro. Por isso, pode-se pensar então que o gaúcho (especialmente o da fronteira) não representa a cultura nacional; longe disso, ele é um resultado de uma miscigenação de culturas de argentinos e uruguaios; que juntos concebem uma nova identidade: o gaúcho de fronteira.
Ao se pensar em desenvolvimento para essa região é primordial levar em conta a história e a formação da cultura do gaúcho de fronteira. Pois ela ainda se reflete em muito no pensamento atual, mesmo que de forma inconsciente. Essa visão nos permite perceber que ainda há muito a ser feito para alavancar o crescimento econômico nesta região que está entre as mais carentes do Brasil. As ações devem reconhecer que já existe uma história bem marcada nesta região e que qualquer iniciativa deve levá-la em consideração. E, a partir daí, o Estado deve propor projetos sociais que contemplem essa cultura e a identidade local, assim como sua potencialidade.
Essas ações vão desde um conjunto de decisões ordenadas com o objetivo de estimular e promover o desenvolvimento da cultura missioneira, o turismo, infraestrutura e tecnologia. Deve-se estimular a diversificação da matriz econômica e até discutir questões culturais e permitir a participação do indivíduo nas decisões que envolvem a comunidade.
Cabe então ao governo promover a participação do indivíduo nas deliberações e para isso é preciso criar espaços em que o cidadão possa assumir seu papel e fazer parte das decisões, pois assim, ele leva consigo sua formação e identidade cultural, permitindo um maior comprometimento com as ações sociais voltadas para o crescimento econômico e a melhoria da qualidade de vida.