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domingo, 16 de fevereiro de 2014

O rádio em São Borja: Parte I - RÁDIO FRONTEIRA DO SUL AM

Texto extraído do livro Memórias Sobre a Imprensa em São Borja, organizado pela Profa. Dra. Cárlida Emerim. (Fotos arquivo pessoal)

Rádio Fronteira do Sul AM


A história do rádio em São Borja começa com a ZYF-2, Rádio Fronteira do Sul AM. Segundo um artigo publicado no jornal 7 Dias, em 19 de novembro de 1967, assinado pelo comerciante Florêncio Gimenez, a Rádio Fronteira do Sul teria iniciado suas atividades em caráter experimental no dia 11 de agosto de 1940, e permaneceu assim durante 5 anos.

Durante esta atividade extra-oficial, foi enviada à rádio uma ordem judicial que determinava o encerramento das atividades enquanto não houvesse autorização oficial. Mas, ciente da importância do veículo para a comunidade, o delegado de polícia na época, Felipe Mello, que levou a comunicação aos responsáveis pela emissora, ao mesmo tempo garantiu seu funcionamento, assumindo total responsabilidade sobre o fato. Assim, a rádio manteve sua programação até 1945. Quando finalmente chegou a autorização governamental, o próprio autor do artigo foi a Porto Alegre e contratou um radialista conhecido na época, Mário Pinto, para assumir a gerência e a locução na Rádio Fronteira do Sul.



Equipe de transmissão do Carnaval.


A mesma publicação aponta que foram 13 os fundadores da Rádio Fronteira do Sul: Florêncio Gimenez, Ademar Paz de Mello, Manoel Luiz Fagundes, Ildefonso Dornelles, João Bicca, Augusto M. Aquino, Érico M. Castro, Amando Motta Gimezes, Sary Amilíbia, Ildefonso Tróis da Motta, José Tróis da Motta, Armando de Matteo e Júlio Caillar Ferreira. A rádio funcionava como sociedade anônima e todos os acima citados eram sócios da emissora. Mas, segundo o artigo, o idealizador da rádio e quem sugeriu seu nome, aprovado em reunião ocorrida na sala de sua casa, foi Florêncio Gimenez.

Embora não tenha uma data definida, Gimenez deixa a sociedade porque houve um incidente entre seu filho Amando Motta Gimenez e o próprio Ademar Paz de Mello, que se desentenderam por causa do motor a óleo adquirido pelos sócios da Fronteira do Sul para garantir o abastecimento de energia elétrica, já que na época São Borja sofria por constantes quedas de rede e falta de energia. Suas ações foram negociadas com o advogado e fazendeiro João Belchior Marques Goulart que, em 1945, seria eleito deputado estadual e iniciaria a carreira política até o golpe de 64 e a morte no exílio em 1976.



Viajem a Brasília na tentativa de reabrir a Rádio, fechada no Regime Militar, em julho de 1975.


Essa é a parte da história contada com base no único documento encontrado pela pesquisa: o artigo de Florêncio Gimenez. Há outra versão revelada pelo autor que teria sido a motivação para escrever o artigo: a inauguração do retrato do fundador Ademar Paz de Mello como parte das comemorações de aniversário da rádio, em 1967, organizada pela direção da época. Existiria, então, uma história verdadeira e outra falsa, conforme o autor revela num dos parágrafos: “É justa a homenagem que se presta a qualquer daqueles que trabalharam pela nossa Rádio Fronteira do Sul. Injusto é esquecer dos demais. Esta é a história verdadeira e a velha guarda samborjense a conhece perfeitamente”.

Um dos fundadores da Rádio Fronteira do Sul, participante da reunião que deu início à história do rádio em São Borja, o bioquímico Ildefonso Trois da Motta, com 90 anos de idade, lembra que a idéia de fundar uma rádio surgiu na oficina eletrotécnica de Florêncio Gimenez. De acordo com Ildefonso, Gimenez era argentino casado com uma são-borjense e sua loja de conserto de rádios estava localizada na esquina diagonal à Câmara de Vereadores. Na época, esclarece, o projeto de Gimenez era iniciar com uma estação “galena”, feita de forma artesanal, mas depois de conversas com outras pessoas, entre elas, Ademar Paz de Mello, resolveram ampliar a proposta ampliando o grupo de fundadores.

Há referências também desta rádio no Jornal de São Borja de 1961, no mesmo dia e mês da publicação do artigo no jornal 7 Dias, cinco anos depois, que apresenta a nova programação da Rádio Fronteira do Sul e anuncia como novo diretor artístico o radialista Hiram Aquino, egresso da Rádio Continente, extinta poucos meses antes.

Durante nossa pesquisa, um assunto salientado pelos entrevistados, foi as dificuldades e a precariedade em relação à aparelhagem utilizada na época. Conta João Paulo Corrêa, radialista aposentado, que no início da década de 70, as transmissões eram feitas com muito sacrifício: “As transmissões esportivas nós fazíamos, mesmo com toda a dificuldade que a gente tinha, porque nós não tínhamos toda essa aparelhagem que tem hoje”, afirma Corrêa. Principalmente quando a equipe precisava transmitir eventos esportivos fora do Rio Grande do Sul, essas dificuldades se evidenciavam, até porque, nesta época, nem o telefone, que hoje é tão comum, estava à disposição da equipe da Rádio Fronteira do Sul. Aliás, na rádio, a equipe tinha à disposição um telefone à manivela, no qual seguidamente os funcionários levavam choque, em função do magnetismo, ao fazerem uma ligação:

“Quando conseguia falar, mal conseguia ouvir o outro, do outro lado. Era um sacrifício”, conta.

O último presidente da Rádio Fronteira do Sul, o contador Leo Ayub Vargas, reforçou que a transmissão dos jogos era feita com muita dificuldade: “Em Santa Maria, chegávamos lá, alugávamos um telefone e pagávamos pelo aluguel dele por duas horas”. A equipe dividia-se e um pagava a gasolina, outro a hospedagem, o almoço e, assim, eram realizadas as transmissões, afirma Vargas. Nesta época faziam parte da equipe, o próprio Leo Vargas, José Nelson Tavares, Manoel Moreno e Serzo Brites, entre outros nomes. Além disso, a rádio era uma reunião de amigos e com muito esforço eles conseguiam juntar um salário mínimo para pagar aos funcionários, relata. Leo Vargas observa: “Hoje conhecem o valor da publicidade, e as transmissões dão lucros fantásticos”.

Na grade de programação da Rádio Fronteira do Sul, publicada no Jornal de São Borja de 19 de novembro de 1961, havia um programa apresentado em português e em espanhol, Hora Radial Argentina, como também havia uma forte preocupação informativa e de entretenimento, com diversos programas noticiosos sendo apresentados durante o dia e também programas de auditório com o conjunto próprio da emissora acompanhando diversos artistas da cidade e convidados até de Porto Alegre. Segundo essa publicação, pode-se concluir que o público participava da programação, pois poderia, através de cartas, sugerir músicas ou enviar dedicatórias para serem veiculadas na rádio.

Pelo relato de Leo Vargas, em 1967, durante a ditadura militar, São Borja recebeu o que na época era conhecido como canoa fiscal: uma vistoria completa na documentação e na arrecadação de impostos em diferentes empreendimentos da cidade. Na ocasião, foram constatadas irregularidades na documentação da Rádio Fronteira do Sul. Segundo Vargas, Elar, de quem ele não recorda o sobrenome, chefe do setor de Fiscalização do Imposto de Renda na cidade de Uruguaiana que atendia à toda a região, recomendou aos sócios da emissora que nomeassem um diretor mais experiente para cuidar da burocracia. Foi então, por indicação do próprio Elar, que Leo Vargas entrou na emissora.

Em função de trabalhar como contador e, naquele tempo, São Borja contar com apenas três escritórios de contabilidade, Vargas resistiu ao convite para se tornar diretor da rádio, mas, segundo ele, foram tantos apelos que aceitou o cargo: “Logicamente, como eu era novo, trinta e poucos anos, comecei a fazer inovações”.

Outra grande cobertura que era realizada pela Fronteira do Sul era o carnaval de São Borja, João Paulo Corrêa recorda que a emissora fazia a cobertura completa das festividades da cidade, desde os ensaios das escolas até o desfile, sendo uma diversão até para quem transmitia: “E a gente transmitia também da Argentina, gravava lá e passava depois, porque lá não tinha emissora de rádio; mas depois que a gente acabou as transmissões, acabou também o carnaval de São Borja”.


Transmissão da Rádio Fronteira do Sul..

Há muitas histórias vividas pelo diretor Leo Vargas ao longo dos anos. Uma lembrança triste para Vargas na rádio remete à proibição, por parte do governo militar, de as emissoras inserirem entrevistas com políticos fora dos horários pré-determinados: “Nenhum candidato a deputado poderia fazer uso dos microfones fora do horário político; chegavam os políticos do MDB que visitavam a cidade e avisávamos que infelizmente não poderiam falar, tomávamos nota que estavam visitando São Borja e comunicávamos depois”. Numa ocasião, um candidato da Arena chegou ao município e foi conceder entrevista na rádio. Lá chegando foi informado de que não poderia falar. Imediatamente fez uma ligação para Brasília e repassou o telefone a Leo Vargas: “Aqui é do Dentel e o deputado ‘fulano de tal’ está reclamando que não estão deixando ele fazer uso do microfone, estou determinando que o senhor libere o microfone para ele”, relata. “Eu apenas concordei, o candidato foi ao microfone, deu seu recado e foi embora. É o horror da ditadura, porque os ditadores e seus subordinados dão uma ordem, voltam atrás por interesse e depois aquela ordem volta a valer”, desabafa.

Outro ponto salientado por Leo Vargas é a utilidade da rádio naquele tempo. Ele conta que até remédios eram solicitados para outras cidades pelo microfone da Rádio Fronteira do Sul. As dificuldades eram tantas que Lauro Pedro de Alcântara é considerado por Vargas como um herói. Pois Alcântara, para transmitir da cidade vizinha de Itaqui, ao vivo, fazia uma ligação direta no fio de arame de uma cerca comum, dessas que delimitam áreas rurais e estradas, naquela cidade, depois religava nos pontos interrompidos ao longo do trajeto até São Borja, transmitindo, assim, o evento radiofônico via aramado para todos os ouvintes sintonizados na frquência ZYF-2.

Assim que assumiu a direção da rádio, Leo Vargas tratou de continuar as negociações para manter a mesma em funcionamento. “Estava sempre viajando para Porto Alegre e Brasília para negociar a situação da rádio”, recorda. Mas chegou o momento, já em 1974, em que foram pedidos muitos documentos pelas autoridades militares. Vargas afirma que todos os documentos possíveis foram providenciados pela equipe diretiva, mas uma carta, escrita por João Goulart, na qual ele transferia todas as suas 125 ações nominais para os funcionários da rádio, oito anos antes, não pôde adquirir caráter legal. Para o ex-diretor, os militares acreditavam que Goulart ainda exercia algum tipo de poder sobre a emissora que controlava diretamente do exílio.

A trajetória da Rádio Fronteira do Sul teve seu final em 1975 pela ditadura militar que controlava o país. De acordo com Leo Vargas, um representante do Dentel chegou em São Borja, foi até o local onde estava instalada a antena e cortou o fio que ligava ao transmissor. Sem nenhum comunicado oficial. Vargas conta que, diante do fato consumado, decidiu fechar a Rádio e distribuir entre os funcionários, a título de indenização, os móveis e equipamentos. O que restou do acervo e da documentação da ZYF-2, Vargas guardou no seu escritório de contabilidade. Algum tempo depois, o prédio foi atingido por um incêndio que acabou destruindo tudo o que havia ali sobre a Rádio Fronteira do Sul. A história do rádio AM são-borjense registra, nessa época, um vazio de dois anos.

Aconteceu o que parecia impossível: as dificuldades de comunicação aumentaram. “Até os avisos fúnebres tinham que ser feitos na televisão em Uruguaiana, naquele tempo a TV tinha obituário”, conta Leo Vargas. Somente em 1977 a cidade volta a contar com uma emissora, a Rádio Cultura.

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